Esse texto foi enviado pelo nosso colega Julian Gabriel. Vale a pena refletir sobre ele.
"O HOMEM TORNA-SE TUDO OU NADA, CONFORME A EDUCAÇÃO QUE RECEBE"
" Fingi ser gari por 8 anos e vivi como um ser invisível "
Psicólogo varreu as ruas da USP para concluir sua tese de mestrado
da\'invisibilidade pública.
Ele comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado sob esse critério, vira mera sombra social.
Plínio Delphino, Diário de São Paulo.
O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e
trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São
Paulo. Ali, constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais
são \'seres invisíveis, sem nome\'.
Em sua tese de mestrado, pela USP,
conseguiu comprovar a existência da \'invisibilidade pública\', ou seja,
uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à
divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a
pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o
salário deR$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a
maior liçãode sua vida:
'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari,
pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência\',
explica opesquisador.
O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como
um ser humano. \'Professores que me abraçavam nos corredores da
USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às
vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam
me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um
orelhão\',diz. No primeiro dia de trabalho paramos pro café.
Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que
não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo
de outra classe, varrendo rua com eles.
Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela
metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente
estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu
nunca apreciei o sabor do café.
Mas, intuitivamente, senti que deveria
tomá-lo, eclaro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as
latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem
formiga, tem barata, tem de tudo.
No momento em que empunhei a caneca
improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se
perguntasse:\'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa
caneca?\' E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles
passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.
O que você sentiu na pele, trabalhando como gari? Uma vez, um dos garis
me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto
de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi
escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada,
passei em frente ao centro acadêmico, passeiem frente a lanchonete,
tinha muita gente conhecida.
Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em
absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia
como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa dacabeça era como
se ardesse, como se eu tivesse sido sugado.
Fui almoçar,não senti o
gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.
E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou? Fui me
habituando a isso, assim como eles vão se habituando também asituações
pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando -
professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim,
podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando
por um poste, uma árvore, um orelhão.
E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito
triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa
condição psicossocial, não se esquece jamais.
Acredito que essa
experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje
são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas
periferias. Mudei.
Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço
questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles
são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado
pelo nome. São tratados como se fossem uma \'COISA\'.
*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
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